26 de abril de 2012

Revisor tipográfico, revisor de provas... o revisor de textos


Nova Escola
Antigamente, confundiam-se as tarefas do revisor tipográfico, do preparador de originais e do filólogo, o que praticamente perdurou até a Revolução Industrial, quando, na Europa, passaram a distinguir-se as várias tarefas. Na primeira metade do século XVI, por exemplo, um célebre impressor fazia pendurar as provas pelas ruas próximas à gráfica e à universidade, oferecendo recompensa a quem descobrisse um erro.

A profissão “revisor”, tal como hoje a entendemos, i. e., revisor tipográfico, sem compromisso com o conteúdo do texto, consolidou-se apenas no século XIX, sobretudo com a multiplicação de periódicos (revistas, tabloides, almanaques etc.), a demanda dos jornais diários e a volumosa programação anual das editoras, que então iniciavam séries e séries de consumo popular.

Na realidade, toda uma gama de significados (e operações) envolve a palavra “revisão”, mas ela sempre implica uma retomada do trabalho, quer para acréscimo, corte, remanejamento, reforma etc. de conteúdo, quer para a realização de emendas na reprodução tipográfica desse trabalho e em conformidade com o disposto nele. O que se entende hoje por “revisão”, numa editora, é a pura e simples revisão tipográfica ou revisão de provas (a revisão do original, sua normalização ortográfica e tipográfica correm por conta do editor de texto), tarefa aliás deveras importante, apesar de mal paga e, por isso, muitas vezes deixada, pelo menos nas condições do Brasil, ao cargo de recém-formados ou até de estagiários dos cursos universitários destinados a produzir jornalistas. Ora, tecnicamente a revisão consiste no acurado cotejo do original com as provas compostas, ainda sem paginar ou já paginadas.

Erros ortográficos e gramaticais, linhas fora do lugar, salto de palavras ou trechos inteiros, letras defeituosas, alterações involuntárias de fonte e estilo, defeitos no entrelinhamento ou na mancha são algumas das preocupações que o revisor de provas deve ter em seu trabalho. As revisões gráficas são feitas quantas vezes forem necessárias, usando-se sinais convencionais universais, que são escritos nas margens das folhas.

Por sua própria função, constitui rematada tolice subestimar o revisor. Dele se exige algo mais que simples alfabetização (muitos jornais e editoras parecem contentar-se com isso); na realidade, requer-se um bom conhecimento normativo da língua, extrema capacidade de concentração, perícia suficiente para distinguir as principais famílias e fontes de tipos, perfeito domínio da maior quantidade possível dos signos com os quais assinala, nas provas, aquilo que discrepa do original, além de razoável cultura geral para não cometer, ele mesmo, determinados erros (por exemplo, mandar substituir “mercedários” por “mercenários”; românico” por “romântico” e assim por diante).

Dadas as subcondições de trabalho destinadas no Brasil ao revisor, sejamos justos: ele convive com seu eterno fantasma, o erro, faz o que pode e quase sempre fá-lo bem.

ARAÚJO, Emanuel. A construção do livro. São Paulo: Lexikon, UNESP, 2008, pp. 363-364. Adaptado por Marcia Moreira.

19 de abril de 2012

Sobre gramáticos e revisores


Os gramáticos são entidades dotadas de um grande poder. Eles têm o poder para baixar leis sobre como as palavras devem ser escritas e sobre como elas devem ser ajuntadas. Seu poder vai ao ponto de poderem estabelecer que uma certa palavra existe ou que tal palavra não existe. Quando a dita palavra aparece num texto, eles a desrealizam por meio de uma palavra latina, "deleatur", afirmando que se trata de um simples fantasma. Foi o que aconteceu com a palavra "estória". Atreva-se a escrevê-la! Os "revisores", policiais da língua que cumprem as ordens dos gramáticos, logo a transformam em "história", assumindo que o escritor a escreveu por ignorar que ela foi a óbito.

Os revisores são seres obedientes: cumprem e fazem cumprir as leis ditadas pelos gramáticos. Saramago descreve a sua condição como seres "atados de pés e mãos por um conjunto de proibições mais severas que um código penal". Olhos de falcão, têm de estar atentos aos mínimos detalhes. Sua concentração nos detalhes é de tal ordem que, por vezes, o sentido do texto, aquilo que o escritor está dizendo, lhes escapa.

Aconteceu comigo. Escrevi um livro -"O poeta, o Guerreiro, o Profeta". O argumento se construía precisamente sobre a diferença entre "estória" e "história". Num capítulo era "estória". No outro, era "história". Se ele, o revisor, tivesse prestado atenção naquilo que eu estava dizendo, ele teria notado que o aparecimento alternativo de "estória" e "história" não podia ser acidental. Mas ele, obediente às leis dos gramáticos, transformou todos os "estórias" em "história", tornando o meu livro gramaticalmente correto e literariamente "nonsense".

Noutra ocasião, o revisor enquadrou na reforma ortográfica uma fala do Riobaldo, que eu citava. Ficou divertido ler Riobaldo, jagunço de muitas mortes, contando seus casos com fala de professora primária.

Saramago tem medo dos revisores. Não permite que eles metam o bedelho nos seus livros para enquadrá-los às regras da gramática. Desprezando vírgulas e pontos ele vai em frente consciente de que seus leitores são suficientemente inteligentes para colocar as vírgulas e os pontos nos lugares em que sua respiração e o sentido determinarem.

Mas o escritor português sabe que os revisores são pessoas que sofrem. Deve ser terrível viver o tempo todo sob a tirania das leis dos gramáticos e sob a tirania do texto do autor a que eles têm de se submeter, sem dar sua contribuição pessoal. Afinal de contas o revisor não gosta de ser revisor. Ele queria mesmo era ser escritor.

Compadecido do sofrimento dos revisores, Saramago escreveu o livro "História do Cerco de Lisboa". Pois nesse caso o revisor do dito livro que, se não me engano, se chamava Raimundo Silva, se rebelou contra o seu destino e resolveu fazer história. No lugar onde o autor escrevera que os portugueses foram ajudados pelos cruzados, Raimundo Silva inseriu um "não" entre os "portugueses" e o "foram", e texto ficou "e os portugueses não foram ajudados pelos cruzados...".

Assim, contrariamente ao que já disse, fico a pensar que talvez o poder dos revisores seja maior que o poder de uma única palavra, eles podem mudar o mundo ou arruinar um livro...

Rubem Alves

2 de abril de 2012

Alguns casos de concordância nominal


Neste espaço, falei muito sobre concordância verbal e, como podemos perceber, são muitos casos com que devemos tomar cuidado. Agora, quero falar de outro tipo de concordância, a nominal, que é de um nome concordando com um outro nome: um adjetivo ou um verbo nominal concordando com um substantivo.

A seguir, veja alguns casos de concordância nominal.

• Só

a) A palavra “só” (equivalente a “sozinho”), quando for adjetivo, concorda normalmente com o substantivo: Eles ficaram sós.
b) Quando for um advérbio, não varia, podendo ser substituído por “apenas”: Depois da batalha, só restaram cinzas.
c) Na expressão “por si só”, a palavra “só” é um adjetivo, devendo fazer a concordância com o substantivo equivalente: Os fatos falam por si sós.
d) A locução adverbial “a sós” é invariável: Eu gostaria de ficar a sós com você.

• Pronomes de tratamento

Em pronomes de tratamento, a concordância tanto verbal como nominal deve ser feita em terceira pessoa: Vossa Alteza conhece muito bem seus inimigos.

• Verbos no particípio

a) O particípio concorda normalmente com o substantivo a que se refere: Iniciado o trabalho, todos saíram; Iniciadas as festividades, todos comemoraram.
b) Quando o particípio integra um tempo composto conjugado na voz ativa, este permanece invariável: Os professores tinham iniciado a aula.

• Adjetivos como advérbios

Adjetivos empregados como advérbios não variam: As meninas falavam baixo; Nossos atletas fizeram bonito no jogo à tarde.

• Substantivos como adjetivos

É mais um caso em que a palavra não varia: Blusas vinho; Ternos cinza.